A sessão da 18a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo em 15 de agosto seria normal não fosse uma reviravolta quase inédita, após a sustentação oral. Desembargadores decidiram por afastar a lei e aplicar o Princípio da Função Social da Justiça. O caso envolve a venda de um ônibus feita por um funcionário público a um empresário, por 75 mil reais.
Enquanto o comprador afirmou na ação que havia pago o valor devido, o vendedor sustentou que não recebeu os valores, até mesmo por estar ainda de posse dos títulos. A sentença dava ganho de causa ao empresário, determinando o pagamento em dobro e litigância de má-fé por parte do vendedor.
Ao julgar o recurso na sessão anterior, o voto divergente do desembargador Carlos Alberto Lopes estendeu o julgamento para a próxima sessão, devido a falta de quorum. O placar marcava dois a um para o empresário e o objetivo da sustentação oral era, ao menos conquistar os dois novos votos, livrando o vendedor da litigância de má-fé e suas consequências.
Em sua explanação o advogado Claudio Dias Batista explicou que haviam dois problemas a serem enfrentados. O empresário juntou notas promissórias que depois de periciadas mostraram-se meras cópias e não originais como havia dito. Havia documentos que a perícia também apontou defeitos. O advogado mostrou sua indignação com a decisão: "Quem junta documento dizendo ser original e não é está litigando como? De má-fé, é claro. É surreal que o vendedor e não o comprador seja condenado por má-fé processual", disse Dias Batista, inconformado durante a sustentação.
Foi o desembargador Henrique Clavísio quem acatou e ampliou a tese da injustiça da decisão, eis que, mantida a sentença, além de perder o que estava cobrando, o funcionário público teria de pagar o dobro do valor e ainda responder por litigância de má-fé.
Os argumentos da sustentação oral e do colega, convenceram o relator Dr Hélio Faria, que surpreendeu a todos, ao mudar seu voto. Seguiu-se grande debate que concluiu pelo provimento parcial do recurso, com a exclusão da pena de litigância de má-fé e a devolução do valor cobrado em dobro.
Questão importante foi levantada pela desembargadora Carmen Lucia Silva, que viu importância em se aplicar o que dispõe o artigo 740 do Código Civil. O próprio relator, no entanto, tratou de mostrar que é o caso de se afastar a lei e aplicar o princípio da função social da Justiça. Durante a sustentação oral o advogado havia feito referência à frase de Rubino de Oliveira, "Entre a Lei e a Justiça, fica com a segunda".
A câmara chegou a um consenso e a votação foi unânime. O advogado Claudio Dias Batista comentou a decisão, dizendo que pela primeira vez presenciou uma reviravolta tão grande em que mesmo os desembargadores que já haviam votado mudaram e acompanharam o novo voto do relator.
"Fomos contratados em cima da hora para a sustentação oral e mesmo assim conseguimos atender às expectativas mais altas do nosso cliente, um advogado com amplo conhecimento jurídico, mas sem a expertise da sustentação oral", finalizou Dias Batista.